Nota de Esclarecimento
Aprendemos a valorizar as contribuições da microbiologista Nathalia Pasternack durante a recente pandemia do Coronavírus. O trabalho foi fundamental para promover a vacinação em massa contra o vírus e para atenuar o espírito negacionista e anticientífico do governo de então, que por razões duvidosas descuidou da população brasileira durante a crise sanitária. O momento que vivemos agora é bem outro, a pandemia se foi e o governo atual é diferente. Em tempos de ameaças menos evidentes, o que se exige é um posicionamento mais cuidadoso. As notícias protagonizadas por ela, que agora aparecem na imprensa, parecem fora de tom. Atacar a psicanálise como se estivesse atacando o vírus ou um governo autoritário?
Críticas à psicanálise estão presentes desde o início. Freud, recém-formado em medicina, quando voltou de estágio com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, ainda no século XIX, foi vaiado pelos médicos de Viena. Temas como sexualidade, limites da potência humana, agressividade, violência e morte podem produzir as mais variadas reações. O negacionismo pode estar escondido em outros lugares, não apenas na negação da pandemia. Não seria bem mais confortável uma vida onde tudo está explicado, claro, controlado? Tal desejo pode pretender sustentar um fazer científico assim limpo, claro, sempre onipotente.
O positivismo deu importante contribuições ao pensamento científico, mas tem também seus limites. A crítica ao positivismo tem sido feita por grandes pensadores, por exemplo, por Maurice Merleau Ponty, para apontar apenas um nome. Em ciências humanas as coisas ficam realmente complicadas. O humano do humano pode desaparecer completamente de cena se estivermos apenas conectados com as evidências laboratoriais. Mesmo nas ciências naturais e ditas exatas há uma forte consciência da incerteza, da não objetividade completa dos fatos. O teorema de Godel, produto de matemático austríaco de primeira grandeza, mostra os limites da própria matemática, a indefinição na matemática existe e sem uma decisão humana ela não prospera.
O humano, a linguagem e a lógica não podem ser colocados em campo fora da história, como se estivesse em um espaço criado nos céus. Se criticamos as mistificações, precisamos dizer que certas percepções de ciência podem ser também tratadas como mistificadoras, já que pretendem que a ciência seja uma produção não humana. A produção científica está sempre ligada às condições históricas onde está sendo feita e o conhecimento está sempre ligado às questões éticas, políticas e interesses vários. Conhecimento e poder andam juntos. Se queremos uma ciência mais democrática e que construa uma sociedade mais justa, precisamos de uma ciência que se permita a autocrítica, que tematize os limites do seu conhecimento, que dialogue, que respeite o outro, que esteja a serviço do coletivo.
O tema é amplo e profundo, queremos apenas colocar esta Nota de Esclarecimento para evitar que alguns mal-entendidos prosperem. Convidamos a todos para o diálogo, para a troca, para o trabalho científico e para a construção de uma sociedade brasileira justa e fraterna.
Sérgio de Gouvêa Franco,
Presidente da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental