Revistas > Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental > Volumes > Volume 19, número 3, setembro de 2016
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, Volume 19, número 3, setembro de 2016.
EDITORIAL
Ao Manoel Berlinck que eu conheci
Plínio Prado
Manoel Tosta Berlinck nos deixou no dia 21 de junho último, aos 79 anos. Sociólogo, psicanalista, editor da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, o seu desaparecimento suscitou inúmeros necrológios e homenagens, a começar pelos dos colegas e amigos da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF), assim como os das instituições nas quais ele atuou (Unicamp, PUC-SP, FGV…). Esses testemunhos encontram-se disponíveis na Internet. Face à sua partida irreparável e a tristeza profunda na qual ela nos deixa, a presente edição de sua Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental não poderia deixar de ser, em sua homenagem, uma edição especial.
ENTREVISTA
Entrevista com Elisabeth Roudinesco
Betty Milan
P – Por que você escreveu uma biografia de Freud?
R – Quando a gente escreve livros, a gente não decide antes de escrever. A biografia se impôs, eu havia feito tudo na psicanálise. Escrevi a história da Psicanálise na França, a biografia de Lacan… Depois, com o Dicionário da psicanálise abordei quase todos os países. Faz mais de vinte anos que eu ensino História da Psicanálise. Havia uma espécie de lógica que se impunha. Não existia mais biografia de Freud desde Peter Gay, a última biografia séria, datava de 1988. Mas era preciso renovar.
ARTIGOS
Factores desencadenantes, estrutura y función del síntoma fóbico en la infancia: análisis de dos casos clínicos paradigmáticos
Julieta De Battista; Jesica Varela y Mariana Dinamarca
El objetivo del artículo es analizar dos casos de presentaciones fóbicas en la infancia: Juanito (Freud, 1909) y Sandy (Shnurmann, 1949) de acuerdo a un método clínico. Pudo establecerse que los factores desencadenantes diferían. En el primero se acentúa la carencia paterna y en el segundo la carencia materna. La estructura del síntoma difiere también: es metafórica en el primer caso y metonímica en el segundo. La función del síntoma concierne en ambos casos a la suplencia de la función carente.
O mau cheiro como estratégia de sobrevivência
Tomás Moraes Abreu Bonomi e Manoel Tosta Berlinck
O presente trabalho tem como base a narrativa de um atendimento clínico, no qual a paciente procura análise, pois todos os seus relacionamentos amorosos fracassavam causando-lhe intenso sofrimento. Ao longo dos atendimentos ela diz saber o porquê desses fracassos: ela fede. Formulamos a hipótese clínica de que o mau cheiro se insere na economia psíquica da paciente como um mecanismo de defesa e, tomando o conceito de narcisismo como norteador, discutimos o papel da alucinação olfativa na sustentação psíquica da paciente.
Uma paixão devastadora
Vera Pollo e Liliane Barbosa
O presente artigo aborda o tema da “paixão devastadora” e indaga qual seria sua diferença de uma relação de amor, apoiando-se na teoria psicanalítica de Freud e de Lacan e na contribuição de Lessana. Apresenta dois fragmentos clínicos que desvelam como a relação com a mãe produz obstáculos na vida amorosa das jovens mulheres. Conclui que na paixão predomina o imaginário e, no amor, o simbólico. Por fim, ressalta que a devastação mãe-filha é menos nefasta que o arrebatamento.
A errância: para além de um sintoma patológico
Ana Claudia Soares e Angélica Bastos
Este artigo discute a questão da errância de forma transestrutural, como uma vicissitude presente nas diferentes estruturas clínicas, e verifica sua positividade: a possibilidade de, a partir do errar, construir-se algo novo. Com base na conexão entre psicanálise e arte, o trabalho recorre à escrita de James Joyce para investigar a errância e analisar o percurso realizado pelo escritor, inicialmente na posição de vagabundo, errante, até com sua arte inventar um lugar para si no mundo.
Musicalidade(s) e ressonâncias psíquicas: variações subjetivas e destinos à pulsão
Leandro Anselmo Todesqui Tavares e Francisco Hashimoto
O presente artigo presta-se a relacionar alguns importantes conceitos da psicanálise, tais como a pulsão invocante, a experiência pática do estranho e as possibilidades de gozo e destinos da pulsão, enredados pela via da Psicanálise Implicada circunscrita ao campo teórico de Freud e Lacan. Tomamos a música como uma enigmática poética do indizível e do inaudito que se articula aquém e além do significante. A experiência musical pode suscitar rearranjos psíquicos, e sua singular função de contágio pode propiciar a transmissão de um real inaudito que mobiliza o campo pulsional, sendo capaz de promover diferentes destinos ao pathos.
SAÚDE MENTAL
ARTIGO
Jarbas, o Redentor: um caso clínico de mania apresentado a partir da topologia lacaniana
Nympha Amaral e Ana Cristina Figueiredo
Neste artigo visamos solucionar o enigma dos intervalos lúcidos da Psicose maníaco-depressiva a partir de um estudo de caso atendido em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi). Defendemos que se pode sustentar uma experiência rigorosa do dispositivo analítico em instituição pública. Utilizamos a topologia lacaniana dos nós como método para a construção do caso. Postulamos que nos surtos os nós se rompem e depois se rearranjam entre os três registros — real, simbólico e imaginário — formando um nó não borromeano (nó de trevo) que possibilita uma estabilização do sujeito.
CLÁSSICOS DA PSICANÁLISE
ARTIGO
Introdução a “Contribuições para a sexualidade infantil”, de Moshé Wulff
Adela Judith Stoppel de Gueller
“Contribuições para a sexualidade infantil” é um dos primeiros trabalhos sobre psicanálise com crianças. Nesse artigo, Moshé Wulff descreve detalhadamente três casos de crianças que sofriam de ataques histéricos frequentes. Com sua apresentação, o autor ingressou na Sociedade Psicanalítica de Viena em 1911, e a leitura desse trabalho tornou-se obrigatória para os analistas em formação. Considerado por Freud “um dos autores que falaram inteligentemente da neurose infantil”, Wulff também se ocupou da tradução de diversas obras de Freud para o russo e o hebraico, além de ter sido médico da família de Serguei Pankeiev (ou o Homem dos Lobos), em Odessa.
ENSAIO
Contribuições para a sexualidade infantil
Moshé Wullf
A assexualidade da criança é um preconceito e, como todo preconceito, quanto mais antigo e infundado ele é, mais profundamente enraizado na consciência cultural da humanidade está. Assim como o conto de fadas da “inocência paradisíaca” do homem primitivo (Urmenschen) tomou o lugar adequado como conhecimento histórico-cultural da evolução da sociedade humana, também é preciso substituir urgentemente a suposição ingênua da inocência sexual do indivíduo imaturo por uma nova, verdadeira, baseada nas evidências da pesquisa psicanalítica.
OBSERVANDO A PSIQUIATRIA
ARTIGO
Realismo e pragmatismo em psiquiatria: um debate
Rafaela Zorzanelli, Paulo Dalgalarrondo e Claudio E. M. Banzato
O artigo apresenta um debate sobre a natureza do objeto da psiquiatria. Apresentam-se duas perspectivas de abordagem da questão — o realismo e o pragmatismo. Segundo o realismo, as condições denominadas transtornos mentais existiriam de forma autônoma, a despeito da conceitualização humana. Já as perspectivas pragmáticas pressuporiam que transtornos mentais não são suficientemente explicados como tipos naturais, porque normas e interesses humanos sempre estariam presentes em classificações psiquiátricas. São descritas as características, diferenças e pontos de limitação dessas abordagens.
LITERATURA, PSICOPATOLOGIA
ARTIGO
Padre António Vieira: o discurso engenhoso em nome da fé e da salvação do homem
Nadiá Paulo Ferreira
No século XVII, o sermão é a via da evangelização do catolicismo. Baltazar Gracián, o grande teórico da retórica barroca, elabora as normas do discurso engenhoso: um saber fazer com a palavra, um trabalho de reconstrução da língua. Em seus sermões, padre António Vieira coloca o engenho a serviço de um discurso que se inscreve em uma das versões míticas sobre Portugal: uma nação cujo povo espera com a ressurreição de Dom Sebastião, o rei morto na batalha de Alkácer Kibir, reconquistar o passado glorioso da época dos descobrimentos.
PRIMEIROS PASSOS
ARTIGO
Que boca grande você tem! Articulações sobre os distúrbios da oralidade no autismo
Ana Carolina Afonso Lima Dias
O texto apresenta algumas considerações sobre os distúrbios da oralidade no autismo, no viés da psicanálise, entrelaçando as questões da constituição do psiquismo infantil e a oralidade. Para enlaçar estas questões teóricas e clínicas dois casos são delineados no trabalho. As crianças retratadas apresentam funcionamento autistico onde a primazia oral apresenta-se e o surpreendente enigmático comparece no modo como a oralidade se revela, seja na voracidade ou na indiscriminação oral, instalando a boca exclusivamente no lugar de fenda, buraco que engloba tudo e não se satisfaz.
RESENHAS BIBLIOGRÀFICAS
O caso Schreber: a expressão da escrita do trabalho clínico
Thaís Augusto Gonçalves Zanoni
Henriques, ao revisitar o caso Schreber sob a ótica de Freud, nos convida a um mergulho na articulação de questões clínicas relacionadas aos conteúdos que se expressam através da escrita. Escrita do fazer clínico e do paciente, em que ambos, ao se utilizarem do recurso de linguagem para transmitir o que se propõem, nos oferecem algo além. Em outras palavras, deixa-se escapar também a realidade psíquica pela qual o processo discursivo e suas reflexões sobre o caso são afetados.
Arquivos da psicanálise: a construção do freudismo
C. Lucia M. Valladares de Oliveira
Em 1902, Freud buscava ansiosamente recrutar adeptos para as suas descobertas, anunciadas dois anos antes, no “livro dos sonhos”. Precisava fazer algo que o tirasse de suas “noites enfadonhas”, de seu splendid isolation e o “reanimasse”, “revigorasse” como ele costumava relatar a Fliess (Masson, 1985).
Os primeiros a embarcar nessa aventura, que iria “impactar o mundo”, foram Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Rudolf Reitler, Max Kahane. Um círculo pequeno de médicos que passou a frequentar a Berggasse 19, semanalmente, após as 21 horas. Eles se reuniam em uma sala esfumaçada por charutos e cigarros que consumiam com café e biscoitos, em torno de uma mesa oval, envoltos em discussões intermináveis, no estilo “banquete socrático” (Roudinesco, 2014). Logo foram chegando intelectuais, quase todos judeus, representativos da cultura da Mitteleuropa, ligados à arte, literatura, filosofia, como Paul Federn, Hugo Heller, Max Graff, Eduard Hirschmman, Isidor Sadger e Fritz Wittels. Estava fundada a primeira instituição da história do freudismo: a Sociedade Psicológica das Quartas-feiras.