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Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, volume 3, número 4, dezembro de 2000
Editorial
1. Sujetividade, tempo e psicanálise
Joel Birman
As psicoterapias breves nos remetem, de maneira inexorável, a uma indagação sobre as relações complexas existentes entre os registros da subjetividade e do tempo na atualidade, por colocarem em pauta uma certa concepção da experiência analítica, que se constituiu ao longo da história da psicanálise e se instituiu como norma em diferentes tradições psicanalíticas. O processo psicanalítico exigira não apenas um tempo longo, mas também uma grande freqüência semanal no número de sessões, fatores estes que se articulariam intimamente, como se fossem duas faces da mesma moeda, em que o tempo longo estabelece uma relação de fundação com a experiência analítica.
A concepção de que toda e qualquer prática clínica que não se realize de acordo com tais parâmetros não passaria de uma psicoterapia, mesmo que conduzida por um psicanalista, precisa ser revista e questionada. Neste artigo, indaga-se sobre as condições de possibilidade da experiência analítica que essas práticas clínicas nos conduzem de maneira infalível. As psicoterapias breves se colocaram há algumas décadas como novas possibilidades terapêuticas nos campos da psiquiatria e da psicologia clínicas, principalmente por razões de ordem econômica e por uma transformação crucial da relação das individualidades com o tempo, impondo, inevitavelmente, uma releitura do ato psicanalítico, em que este pode e deve ser depurado de suas marcas normativas tradicionais.
O questionamento da psicanálise na pós-modernidade e sua preterição em nome de outras práticas clínicas remetem inequivocamente a uma recusa de um dispositivo de escuta que se contrapõe à iminência da ação e da decisão, que a aceleração do tempo na atualidade, em contrapartida, nos impõe. Freud, sensível às variações da demanda, já reconhecia a dimensão normativa e arbitrária do número de sessões, valorizando a sua intensidade em detrimento da sua longevidade, mesmo levando em consideração o mecanismo da resistência.
Palavras-chave: Psicanálise, experiência psicanalítica, psicoterapia breve, subjetividade, temporalidade na pós-modernidade
2. O estupor melancólico e o estupor maníaco
Rubens Coura
O Estupor Melancólico e o Estupor Maníaco são quadros clínicos das mais completas apatia e inibição motora, hoje tornados raros devido às intervenções psiquiátricas. Eles parecem corresponder aos pontos da máxima pressão possível da pulsão de morte: dirigida, respectivamente, contra o próprio Eu e contra os objetos – naquele sujeito e naquele período de sua vida. Sendo então o estado clínico do ponto intransponível de toda melancolia e de toda mania, esses dois estupores devem compor um verdadeiro elo perdido entre a melancolia e a mania, para a psicanálise.
Se a relíquia de Pierre Fédida é, no luto, o fragmento de permanência daquilo que morreu, o autor propõe a romaria do sujeito ao seu tesourinho de criança como uma imagem regressiva apropriada à melancolia e à mania.
Palavras-chave: Psicanálise, psiquiatria, melancolia, mania
3. As relações entre psicose e periculosidade: contribuições clínicas da concepção psicanalítica da passagem ao ato
Maria Cristina Bechelany Dutra
O presente artigo trata da questão da periculosidade na psicose à luz das formulações clínicas de Jacques Lacan sobre a passagem ao ato, presentes no seminário proferido sobre o tema da angústia, em 1962/1963. Com este aparato teórico, examinamos a passagem ao ato na psicose, levando em conta suas condições de realização, seus efeitos e suas relações com a periculosidade.
Palavras-chave: Psicose, periculosidade, passagem ao ato, psicanálise.
4. É possível psicanálise breve?
Theodor S. Lowenkron
A psicoterapia psicanalítica de tempo delimitado é aqui definida como um tratamento cujo prazo de duração é ajustado previamente entre o psicoterapeuta (ou analista) e o sujeito que busca ajuda para dar conta de um sofrimento psíquico que se manifesta em uma área demarcável da vida do sujeito e cuja origem possa ser atribuída a um conflito inconsciente. A teoria psicanalítica fornece os modelos gerais que fundamentam o processo, e a cura se dá mediante a perlaboração dos conflitos inconscientes, com possíveis repercussões sobre o sujeito como um todo. Teoricamente, essa abordagem terapêutica fundamenta-se nas concepções de Freud, Ferenczi e das pesquisas realizadas na Clínica Tavistock, principalmente, através do experimento de Balint. Essa comunicação foi estimulada não só pelos resultados de pesquisas desenvolvidas pelo autor no campo da psicoterapia psicanalítica de tempo delimitado, mas também pela aprovação, por Resolução do Ministério da Saúde, da cobertura obrigatória pelos planos e seguros privados de saúde para a psicoterapia breve de crise com duração de até 12 sessões. Esse trabalho tem o objetivo de promover o debate em nosso meio sobre o valor da abordagem psicanalítica breve. Para tanto, além da apresentação de uma experiência clínica realizada com uma paciente durante cinco entrevistas psicoterápicas e mais duas entrevistas de follow-up, cerca de seis e 12 meses após o término do tratamento, discutem-se os fundamentos da ampliação do espaço psicanalítico tomando em consideração o posicionamento de Freud e as críticas teóricas e práticas, expostas por Birman, sobre o que pode ser denominado espaço psicanalítico. Nesse trabalho destaca-se ainda a importância de que, ao final da terapia, deve-se fazer uma avaliação dos resultados alcançados e, se o trabalho realizado não for considerado suficiente para a elaboração das tensões conflitivas que deram origem às manifestações clínicas, a decisão de encerrar o tratamento pode ser revista, hipótese que, caso confirmada, não invalida a abordagem inicial na psicoterapia de tempo delimitado como um precioso instrumento de preparação do paciente para a etapa consecutiva. A questão que orientou este percurso permanece: é possível nomear a psicoterapia psicanalítica breve ou de tempo delimitado como psicanálise breve?
Palavras-chave: Psicanálise, espaço psicanalítico, psicoterapia psicanalítica breve, caso clínico
5. Ideologia e psicopatologia: uma discussão fenomenológica transcultural
Virgínia Moreira
Este estudo tem como objetivo discutir a relação entre ideologia e psicopatologia com base na perspectiva de homem mundano colocada pela fenomenologia de Merleau-Ponty (1964, 1966, 1970). Na medida em que esta entende o homem existindo em mútua constituição com o mundo, dá lugar a uma leitura da psicopatologia também como emergente em constituição com o mundo, ou a cultura (Moreira, 1993, 1999; Moreira & Aramburú, 1999)
Artigo completo Autor
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6. Psicoterapia e empirismo
Durval Mazzei Nogueira Filho
O autor discute as possíveis implicações para o exercício da psicanálise o contexto que obriga que a eficiência dos procedimentos terapêuticos seja apurada pelo método empírico. Alerta que a facilidade de se criticar esta metodologia, a partir de outras posições filosóficas e éticas, não deve servir como argumento para a comunidade psicanalítica receber com desdém as críticas que surgem.
Palavras-chave: Psicoterapia, empirismo, pesquisa
7. Psicopatologia Fundamental: de una cierta transmision
Flora Singer
A psicopatologia fundamental, configurada a partir do trabalho universitário e teórico de Pierre Fédida, constitui-se como ponto de encontro de diferentes disciplinas relacionadas com o sofrimento humano, e suscita interrogantes metodológicos, entre outros, como estabelecer um diálogo que articule distintos recortes teóricos, e de que forma tratar as diferenças relativas. O tema das diferenças está presente tanto pelo lado dos métodos de investigação e de intercâmbio, como pelo da concepção de uma estrutura institucional que acolha essas diferenças.
A psicanálise pode contribuir com estes temas, à medida que se vê confrontada com uma dupla alteridade: tópica – a relação consciência/inconsciente – e intersubjetiva, já que é condição do dispositivo analítico poder acolher a subjetividade do outro enquanto radicalmente outro.
Existe uma homologia estrutural entre os níveis intrapsíquico, intersubjetivo, interteórico e interdisciplinar no que faz uma epistemologia da alteridade.
O saber em psicanálise escapa a toda tentativa de institucionalização, pois é próprio da alteridade de seu objeto resistir e deixar sempre um resto. De maneira similar, a psicopatologia fundamental tampouco se adequa a uma institucionalização do saber. É um espaço vazio – khôra – que acolhe movimentos metafóricos inerentes à produção de saber, e ao não-saber, que de forma complementar o acompanha.
O “nome-do-pai” opera, assim, não como fidelidade a uma letra, mas como habilitação à criação e suporte do figurável a vir, a partir do ato fundacional de khôra.
Palavras-chave: Psicopatologia fundamental, pathos, alteridade, epistemologia
8. O início do tratamento psicanalítico com criança autistas: transformação da técnica psicanalítica?
Maria Izabel Tafuri
Este artigo discute o início da relação analítica com crianças autistas à luz da análise de Maria, uma criança autista de três anos de idade. O caso clínico de Maria tornou-se importante como objeto de estudo, por ter suscitado um questionamento dos princípios teórico-clínicos que induzem o psicanalista a encontrar significados nas ações de uma criança autista, mesmo quando ela não fala e não brinca, e a interpretá-los, desde o início de uma relação analítica, com o intuito de criar a relação transferencial.
Com Maria, a analista, no início do tratamento, deixou em suspenso os significados e as interpretações e passou a vivenciar a natureza fenomenal dos “grunhidos” e “maneirismos” da criança. Ao proceder dessa forma, abriu-se uma outra via para se criar uma relação analítica com Maria: as várias tonalidades e ritmos dos seus “grunhidos”, o zumbido de seus “maneirismos”, as formas dos seus movimentos corporais e o ritmo da sua respiração, passaram a ser contidos pela analista em seu próprio corpo, contudo, esse material clínico não foi interpretado no início do tratamento de Maria.
Palavras-chave: Psicanálise, autismo, interpretação, significados
9. Ele não quer? Nem eu!
Cassandra Pereira França
Este artigo pretende circunscrever os impasses com que se defronta o analista no atendimento de adolescentes irascíveis, principalmente quando a demanda de análise partiu dos pais. No entanto, a autora tece alguns contrapontos que justificam possíveis tentativas de contato terapêutico com esses clientes que, geralmente, estão emaranhados numa organização narcísica patológica.
Palavras-chave: Adolescente, demanda, impasses da clínica, narcisismo
Clássicos da Psicopatologia
Mário Eduardo C. Pereira
“Minkowski ou a psicopatologia como psicopatologia do pathos humano”
Eugène Minkowski
“Breves reflexões a respeito do sofrimento (aspecto pático da existência)”
Resenha de Livros
Fernando Tenório
“Vastas confusões e atendimentos imperfeitos”
Luis Cláudio Figueiredo
“Psicanalisando a psicanálise”
Vera Lúcia Colucci
“A teoria pulsional na clínica de Freud”
Resenha de artigosA diminuição de responsabilidade é relevante?
Olímpia Maluf Souza
Is diminished Responsability Relevant?
Brian Boettcher
Journal of Forensic Psychiatry On-Line, March 27, 1999
As perspectivas psiquiátricas da epilepsia
Annelise Urbanavicius Costanti Lara
The psychiatric perspective of epilepsy
Joseph M. Scwartz, M.D. and Laura Marsh, M.D.
Psychosomatics, 41, p.31-38, Feb/2000